quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

Saudades do comboio na Linha do Sabor

VOU AQUI APRESENTAR UM PEQUENO TEXTO RELACIONADO COM A LINHA DO SABOR, NÃO FOSSE A REGIÃO, MAIS PRECISAMENTE CARVIÇAIS, AONDE AS MINHAS RAÍZES FORAM COLOCADAS.
A APRESENTAÇÃO DESTE TEXTO, FONTE DO JORNAL DO PÚBLICO, COM A COLABORAÇÃO DE DÁRIO SILVA, SERÁ A PRIMEIRA PEDRA DA INAUGURAÇÃO PARA O PRÓXIMO MÊS, SE CORRER TUDO BEM, DO MEU NOVO BLOG, EXCLUSIVAMENTE RELACIONADO COM A LINHA DO SABOR, AONDE COM O VAPOR NASCEU E MORREU, UMA LINHA QUE MORREU PREMATURAMENTE, MAS QUE FICA SEMPRE NA MEMÓRIA DA REGIÃO E DOS SEUS.
NÃO FOI UM ADEUS, MAS SIM ATÉ BREVE...


“O comboio deixou de apitar na Linha do Sabor a 1 de Agosto de 1988, mas as memórias e as ruínas parecem ser muito mais antigas. O P2 foi ver o que resta daquela via estreita que ligava o Pocinho a Duas Igrejas, junto a Miranda do Douro, e encontrou estações lindíssimas ao abandono, uma região ainda isolada e um povo cheio de saudades. Por Pedro Garcias (texto) e Paulo Pimenta (fotos)




 

Manhã triste
 Como são as manhãs de Outono quando acordam debaixo de nevoeiro. O mundo não acaba no Pocinho, mas o lugar parece ter algo de derradeiro destino, o ponto final de uma aventura que deixou ali os seus despojos, prédios a cair, armazéns velhos, casas entaipadas de cimento com desenhos a imitar janelas, os restos de uma memória em que a pequena aldeia era ponto de derivação ferroviária para Barca d”Alva, e para o Planalto Mirandês. Agora, o último silvo do comboio não passa dali, soando tão raramente que já nem as crianças atrai.

A tristeza da manhã é a tristeza do lugar. A estação, pintada de novo, e os entrepostos de adubos e de cimento são o que resta em bom estado dos tempos em que tudo girava em torno do comboio e uma região inteira desaguava no cais de embarque, carregada de tudo, até da vontade de fugir do desterro e da miséria. Hoje, a gente é pouca, um ou outro estudante, a mulher que vai em tratamentos ao Porto, turistas procurando a beleza do Douro.

Há a promessa governamental de recuperar a ligação a Barca d”Alva para fins turísticos, mas a formidável odisseia de levar o comboio até Miranda do Douro deve ter terminado para sempre naquele dia 1 de Agosto de 1988, quando uma automotora saiu de Duas Igrejas e foi colhendo até ao Pocinho todos os pequenos materiais que podiam ser reutilizados noutras linhas, candeeiros pequenos, relógios das estações, coisas assim.

Abílio Carvalho, 72 anos, morador em Carviçais (Moncorvo), era o maquinista, o carrasco inocente da linha. “Deixei a automotora no Pocinho, segui num comboio até ao Porto e cruzei-me com outro onde vinham os altos comandos de Campanhã. Fiquei intrigado. No Porto, mandaram-me levar um comboio até Ermesinde e foi então que vi lá parada a automotora que eu tinha trazido de Duas Igrejas. Só depois é que fiquei a saber que os altos comandos tinham ido buscar a última automotora do Sabor e encerrado a linha.” Semanas depois, Abílio Carvalho conduziu também o último comboio entre Barca d”Alva e o Pocinho. Triste sina.

Só passaram 21 anos e, no entanto, a Linha do Sabor parece ter muitas mais décadas de ruína. O início do troço está ocupado pelo entreposto da Cimpor e a velha ponte ferro-rodoviária sobre o Douro encontra-se fechada ao trânsito, com ar de fóssil industrial. Mais ou menos 282 metros de orgulho para a indústria e a engenharia nacionais da altura a apodrecerem sobre o Douro.

A travessia, com portagem, foi inaugurada a 14 de Junho de 1909, integrada na antiga Estrada Real N.º 9, que ligava Celorico da Beira a Miranda do Douro. Era vista como “a ponte levadiça para o Eldorado” (Águedo de Oliveira, jornal Mensageiro de Bragança, 1964), pois a seguir a ela viria o comboio que escoaria os cereais e o gado do Planalto Mirandês, o mármore e alabastro de Santo Adrião e o minério da serra do Reboredo que iria abastecer a Siderurgia Nacional.

A rampa mais longa do país
 O comboio chegou a 17 de Setembro de 1911 e começou por ligar apenas o Pocinho a Carviçais, de modo a servir as minas do Reboredo, no alto de Moncorvo. O segundo troço, entre Carviçais e Lagoaça, já no concelho de Mogadouro, só foi aberto a 6 de Julho de 1927; a ligação de Lagoaça a Mogadouro deu-se a 1 de Junho de 1930; e o troço Mogadouro-Duas Igrejas foi inaugurado a 22 de Maio de 1938. Por falta de dinheiro, a linha, construída ao passo do manso burro mirandês, ficou por ali, a apenas dez quilómetros de Miranda e da fronteira com Espanha. Mesmo assim, era um estirão, 105 quilómetros ao todo e uma serra pelo meio, o Reboredo, a dividir o Douro montanhoso do Planalto Mirandês.

Passar a ponte do Pocinho era o grande momento, e o mais divertido, pelo menos para o escritor José Rentes de Carvalho, radicado na Holanda mas com ligações familiares à aldeia de Estevais, no concelho de Moncorvo. Recorda-o no livro Ernestina, um dos mais belos retratos da vida transmontana do século passado: “O silvo frouxo da locomotiva fez rir. A troçar do modo ronceiro do comboio, os rapazes que passeavam no cais puseram-se a acompanhá-lo a passo, só subindo antes da ponte com que de novo e pela última vez se atravessava o Douro. Mas no começo da encosta fronteira voltaram a descer, alguns dando-se mesmo o tempo de mijar, e, subindo a corta-mato, apareceram depois como por mágica na próxima curva antes de o comboio lá chegar.”

Mal passava o rio, o comboio começava a subir, galgando as encostas viradas ao Douro, às casas da aldeia da Lousa penduradas sobre o precipício, à quinta do Vale Meão que a lendária D. Antónia, a Ferreirinha, tinha construído poucos anos antes. Era uma subida penosa, 25 quilómetros de ascensão contínua até Felgar e 540 metros de desnível, a mais longa rampa ferroviária do país. Foi esse primeiro troço que inspirou o tema popular Eu vou a Miranda ver os pauliteiros. “O comboio vai a subir a serra, parece que vai mas não vai parar, sempre a assobiar vai de terra em terra, dê por onde der quero lá chegar”, diz a canção.
Até Moncorvo, o comboio seguia por lugares inabitados, 12 quilómetros que, embora já não tenham carris, ainda conservam a nostalgia das viagens à janela, passadas entre a introspecção e a revelação de uma paisagem que ia mudando de acordo com a época do ano. Na vila, foram poupadas algumas dezenas de metros de carril, mas é uma memória coberta de ervas e silvas. Já perto da estação, a linha está cortada por uma cancela e dali até ao velho edifício é um estaleiro só, da câmara local.

Mais à frente, e até à estação do Carvalhal, onde era embarcado o ferro extraído nas minas do Reboredo, a linha é agora uma ecopista, muito utilizada, sobretudo no Verão, mas que, para os mais saudosistas da ferrovia, pode ter hipotecado de vez o regresso do comboio.

Aires Ferreira, o socialista que lidera a câmara há duas décadas, pensa exactamente o contrário. “Havia pessoas que já se tinham apropriado da linha, algumas evocando até o usucapião, e a melhor forma de a conservar é mantê-la sob o uso público”, defende.

Com a construção do primeiro troço de ecopista foi recuperada a estação do Larinho, que já deu lugar a uma cafetaria. Foi ali que Lauro António filmou a chegada à estação do Fundão de António Lopes, o jovem de 12 anos protagonista do filme Manhã Submersa e do romance de Vergílio Ferreira. Nessa altura, a Linha do Sabor era a única que ainda tinha automotoras a carvão e foi no Larinho que António fez a viagem que o levaria ao seminário.

Actualmente, está em obras o segundo troço da ecopista, que vai ligar o Carvalhal a Carviçais. Pelo meio, ainda havia o apeadeiro dos Estevais. Um dia, “o padre da freguesia pediu a pedra à Refer, o apeadeiro foi arrasado e a pedra utilizada na construção do lar de terceira idade”, conta o escritor Rentes de Carvalho. Menos mal.

A segunda fase do projecto da ecopista prevê também a recuperação das estações de Carviçais (ao abandono) e de Moncorvo, a primeira para funcionar como centro etnográfico, a segunda para servir de apoio à via verde e, provavelmente, acolher o actual Museu do Ferro, que funciona num espaço acanhado junto à Igreja Matriz. Os planos da autarquia contemplam ainda o prolongamento da ecopista até ao Pocinho. A Câmara de Moncorvo está já, de resto, a pagar desde 2003 uma renda anual de perto de 10 mil euros à Refer pelos cerca de 40 quilómetros de linha (sem carris) existente no concelho, o equivalente a 250 euros por quilómetro. É por isso que há quem critique a Refer por, depois de ter acabado com o comboio, deixado a maioria das estações ao abandono e vendido os carris, ainda receber dinheiro de quem lhe mantém o canal limpo.

Coberto pelas silvas
Já depois de Carviçais, há um lugar chamado Vale de Ladrões e é lá que fica a antiga estação de Freixo de Espada à Cinta, uma ruína coberta de arbustos, cartazes envelhecidos a anunciar touradas em Mogadouro, duas figueiras quase tapadas pelas silvas (há sempre uma figueira junto às estações ferroviárias), cães a latir ao longe, ecos distantes das Ave Marias cantadas pelo altifalante da igreja de Carviçais e, no céu, um milhafre-real em volteios anunciando a proximidade do Planalto Mirandês e do Douro Internacional, o santuário dos grifos e das águias de Bonelli.

Só o nome da estação, gravado em azulejo, se mantém incólume. A vila de Freixo dista 15 quilómetros, mas era em Vale de Ladrões, meia dúzia de casas no meio de nada, que se apanhava o comboio para o Pocinho. Com a ferrovia, foram abrindo umas tascas que abasteciam quem chegava. José Maria Faustino, 71 anos, era o dono de uma delas. Tinha sido emigrante, juntou uns dinheirinhos, regressou ao berço para reconstruir a casa e abrir um negócio. “Juntava-se aqui gente dos Esteveais, Fornos, Mazouco, Freixo e de algumas quintas que havia para aí. Nem imagina o movimento que era.” Hoje só restam duas casas, a sua e a de uma sobrinha, as lojas fecharam, o resto do casario entrou em ruínas seguindo o mesmo destino da estação. “É uma tristeza, mas uma tristeza”, despede-se José Maria Faustino.

Seguimos o rasto da linha, num esforço quase inglório para vislumbrar a plataforma. O silvedo tomou conta do trilho, propriedades estenderam os seus limites, pinheiros e carvalhos vão crescendo onde antes passava o comboio. O vestígio mais visível só se volta a encontrar em Lagoaça, onde a antiga estação é hoje uma Casa Rural que funciona como restaurante, obra da junta de freguesia. “Deve ser a única estação que está recuperada e com uso [há a do Larinho também]“, sorri Carlos Alberto Amaro, 38 anos, a explorar o restaurante há um mês, um sucesso. “Ao almoço servimos umas 70 a 80 refeições.”

De Lagoaça até Duas Igrejas só as estações, todas lindíssimas, todas abandonadas, sugerem que um dia passou por ali o comboio. Em Bruçó ainda escapam os azulejos. O edifício mantém-se de pé graças às suas paredes de alvenaria. O resto é só ruínas, silvas, lixo, uma nódoa no meio de terrenos lavrados, castanheiros e a figueira do costume.

Na estação de Mogadouro, a seis quilómetros da vila, é o mesmo ar de abandono. Por trás, os enormes silos da antiga EPAC já não guardam trigo, só a água das inundações. A casa de Áurea Rodrigues, 69 anos, e João Luís Paulo, 75 anos, é o único elemento de vida. Os dois foram taxistas, ela na estação de Mogadouro, ele na vila. “Uma viagem daqui lá custava 20 escudos”, recorda o homem.
Há menos de 30 anos, quando o Planalto Mirandês era o Alentejo de Trás-os-Montes, os tractores ainda faziam filas de quilómetros para descarregar trigo nos silos da EPAC. “Enchiam duas vezes por ano e quando já não havia mais espaço o trigo era descarregado mesmo aí na rua”, lembra João Luís.
O pessoal era tanto que a mãe de Áurea, a primeira dona da casa, começou a vender umas cervejas, depois umas latas de atum, a seguir uns almoços. Foi alugando um quarto, depois outro e outro, até a casa se transformar num albergue com 19 quartos, “muito procurado por caçadores”, lembra a ex-taxista. Havia trigo, caça. Agora, nem isso.

A linha fechou em 1988, alguns anos depois fecharam os silos. Áurea faz costura onde funcionava o café, o marido trata do gado e da terra, os quartos estão vazios. Já ninguém faz cereal. O pouco que se “fabrica” é para alimentar os animais.

Urrós, a mesma memória triste. A estação já quase não se vê por causa do arvoredo que foi crescendo à sua volta. Em Sendim, a estação fica a um quilómetro da vila. Ainda está de pé, mas vai lentamente sucumbindo ao vandalismo e ao tempo.

Duas Igrejas, fim da linha. A estação surge no alto de uma rua perpendicular à estrada nacional. No ponto superior da frontaria, um painel de azulejos conserva a nobreza original: “Caminhos de Ferro do Estado.” No meio, a esfera armilar. Em baixo, vários painéis de azulejos com motivos regionais: as cegadas, o casario, as igrejas, os pauliteiros, as capas de honra mirandesas.

No lugar da estação, “chegaram a viver dez famílias de ferroviários”, recorda Falcão Miguel, 67 anos, que era factor com poderes de chefe quando partiu o último comboio. Hoje, é o único que ainda lá vive. As outras casas foram ocupadas por famílias ciganas. O celeiro da EPAC foi vendido a um particular, os armazéns de adubos também. Só o antigo armazém da Junta Nacional da Fruta foi melhorado, acolhendo hoje uma cooperativa da raça bovina mirandesa. “Naquele tempo, estava tudo limpinho, nos trinques, era um luxo. Agora não é nada, é uma bandalheira, uma sucata”, queixa-se Lázaro Castro, 62 anos, vizinho da estação onde descarregou “muitos sacos de adubo” antes de emigrar.

Quando a linha fechou, o inspector responsável deixou um pedido a Falcão Miguel – “Agora tome conta disto.” É o que tem feito. Guarda as suas alfaias agrícolas num dos armazéns, vai cortando as ervas e as silvas junto à estação e no pequeno jardim contíguo e dissuadindo o vandalismo, conservando como pode o mais belo edifício de toda a linha, a casa onde nasceu o actual ministro da Administração Interna, Rui Pereira. O pai foi chefe da estação de Duas Igrejas durante alguns anos, o filho-ministro saiu de lá com oito.
A Junta de Freguesia de Duas Igrejas ainda quis ficar com a estação, mas a Refer pediu naquela altura 80 contos por mês. “Uma loucura. Era preciso recuperar o edifício e não havia dinheiro para isso”, lembra Falcão Miguel.

Na década de 90, a Refer vendeu toda a sucata da linha a Manuel Godinho (o do casoFace Oculta). Quando o empresário se preparava para levar os despojos do Sabor, Falcão Miguel pediu-lhe que deixasse, para memória futura, a grua que abastecia os comboios de água e a placa giratória onde eram viradas as automotoras que só puxavam num sentido. “Calha bem. Ia gastar um dinheirão a tirar isto daqui. Em troca, levo mais um camião de carris”, respondeu-lhe Godinho. E assim foi. Ficaram a grua e a placa giratória, mas os carris, primeiro até Felgar, depois até ao Pocinho, foram todos levados.

A guerra do comboio
 Em Carviçais, o povo ainda deu alguma luta, mas desistiu depressa. A motivação já não era a mesma daquele célebre Setembro de 1979, quando, perante a ameaça do encerramento da linha, “os povos de entre-Sabor-e-Douro pegaram em estadulhos, varapaus, alfaias agrícolas e tudo o que lhes veio à mão para defender o seu comboio, barricando a ponte do Pocinho (o único atravessamento anterior à barragem) e mantendo-a sequestrada, juntamente com uma automotora em Bruçó e um comboio no Pocinho, onde o povo arrancou dezenas de metros de carril para não o deixar seguir para baixo”, de acordo com o relato do arqueólogo Nélson Rebanda deixado no blogue Torre de Moncorvo in blog. Uma semana durou a guerra do comboio, escreveu, “que terminou com uma mão-cheia de promessas (que eram paliativos) dos senhores do Governo e um contingente da polícia de choque a tomar de assalto a estação do Pocinho e a proteger a reconstrução da linha. O povo ainda rosnou de longe e ameaçou com pedras, mas estancou perante os capacetes, viseiras, escudos e bastões de muitos que até seriam transmontanos”.

Nessa altura, a linha já estava agónica, com apenas duas ligações diárias entre o Pocinho e Duas Igrejas, feitas através de uma pequena automotora composta pela carroçaria de um antigo autocarro. Iam longe os tempos em que chegaram a circular várias automotoras e um comboio do correio. Os protestos mantiveram a via aberta a passageiros até 1984. O comboio de mercadoria ainda aguentou até 1988.

No início, o transporte de pessoas era feito através de autocarros velhos contratados pela CP. O iminente fim do comboio tinha levado entretanto a família do actual presidente da Câmara de Freixo de Espada à Cinta, José Santos, a criar a rodoviária Santos. Os autocarros eram mais modernos do que os da CP. A Santos começou a fazer ligações directas ao Pocinho e expulsou a concorrência. Com o tempo, a rodoviária, lembra Falcão Miguel, fez o mesmo que a CP: foi degradando o serviço, complicando os horários, até conseguir conquistar os passageiros para as suas ligações directas ao Porto, deixando o Pocinho ainda mais vazio.

A aventura do comboio no Sabor tinha terminado de vez, deixando muitas aldeias mais pobres e mais isoladas. O sonho cerealífero do Planalto Mirandês esfumara-se com a entrada de Portugal na então Comunidade Europeia. O gado é hoje um passatempo dos mais velhos. O leite já não dá dinheiro. As minas do Reboredo fecharam. A região continua isolada. As estradas melhoraram, mas são praticamente as mesmas. Para ir a Miranda ainda compensa ir por Espanha. O povo do campo, de uma maneira geral, vive hoje dos subsídios de Bruxelas.

O sonho criado pelo comboio desapareceu com ele, deixando nas gentes do Sabor e de Miranda a mesma tristeza, nostalgia e impotência sentida por João Caramês na hora da partida, no conto Tragédia de Um Coração Simples, do livro Ares da Minha Serra, de Campos Monteiro. Preso e degredado para África, por ter caído na perdição de um “amor generoso”, foi de comboio que se despediu de Moncorvo, olhos cravados de lágrimas, o coração desfeito: “João continuava a envolver a vila na sua mirada enternecida. Já a distância a fazia mais pequena, dando aos edifícios a aparência de cubos minúsculos, próprios para brinquedos de crianças. Só a igreja se impunha ainda, maciça e alta, monstro de pedra desafiando os séculos. Depois, a locomotiva torceu subitamente para a esquerda. A vila deixou de ver-se. E o comboio, coleando e rangendo, atirando para o céu volutas de fumo esbranquiçado, entranhou-se nas arribas do Douro.”


http://opassageiro.wordpress.com/2009/12/06/saudades-do-comboio-na-linha-do-sabor/


O MUITO OBRIGADO AO DÁRIO SILVA

1 comentário:

  1. Eu estive no Carvalhal no fim dos anos 50, tenho muitas saudades.
    Mário Rui

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